Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Guiné (? ) > 1969 > Uma das célebres fotos de István Bara (1942-2025) o fotojornalista húngaro, da agência estatal MTI (Magyar Távirati Iroda), que esteve alegadamenmte embebbed com forças do PAIGC, no mato, em 1969/70, em "áreas libertadas".
Nesta imagem, da sua fotogaleria, mostram-se "os efeitos do napalm"... Pelo menos, a legenda (em húngaro) é isso que diz explicitamente: " István Bara: Napalm áldozata. Guinea-Bissau, 1969" (em português: "István Bara: vítima de napalm. Guiné-Bissau, 1969").
O fotojornalista (?) não diz onde foi exatamente tirada a foto (podia ter sido na Guiné-Conacri). E julgamos tratar-se de uma imagem copyleft, isto é, do domínio público... (A sua página foi descontinuada, e entretanto capturada pelo Arquivo.pt; o fotógrafo morreu recentemente aos 83 anos.)
Numa análise mais atenta e detalhada da imagem, com a ajuda da IA, concluimos que estamos perante um caso aparentemente de má fé, manipulação ou grosseira ignorância (clínica): tudo indica que se trataria de um caso de vitiligo (perda de pigmento, comum em pessoas de pele escura, deixando manchas brancas), confundida intencionalmente ou não com queimaduras por napalm (que em geral atingem também outras partes do corpo, com o peito, o pescoço, a cara, o coro cabeludo...) e não apenas as mãos... E deixam marcas profundas...
A ser assim, estaríamos perante uma descarada manipulação ou encenação fotográfica para efeitos de propaganda "anticolonialista"... Não há almoços grátis, camaradas...
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Acampamento Osvaldo Vieira (reconstruído) > 2 de Março de 2008 > Pretensos restos de bombas de napalm, largadas pelas NT no Cantanhez, e expostos, toscamente, no topo de um baga-baga.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira (reconstruído), nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberém e Cabedu > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira >
Foto do cor art ref Nuno Rubim, mostrando em mais pormenor os restos de bombas (de napalm ?) da nossa Força Aérea. Nem eu nem o saudoso Nuno Rubim (1938-2023) nos deixámos convencer pela encenação...
(...) "Há outro mistério que ficou sem resposta. No meio da clareira do acampamento estavam os restos de duas bombas de Napalm (ver foto). Podiam, naturalmente, ter sido trazidos de outro local, e colocados nos montes de baga-baga, mas eu procedi a uma pequena escavação e notei que parte delas estava parcialmente embebida no terreno. Mas isto também pode ser um sinal dos tempos, numa zona onde há grande precipitação. O facto é que, se as bombas caíram lá (ou onde quer que fosse), os estragos teriam sido consideráveis. Também não tive tempo de aclarar o assunto" (...) (*)
1. O uso do napalm na Guiné-Bissau durante a guerra colonial não está devidamente documentado... Julga-se o seu uso era irregular, ocasional, pontual. (Por exempplo, no princípio da guerra, 1963/64, ou então em grandes operações, como a Op Tridente, ilha do Coko, jan-março de 1964.)
Portugal não fabricava napalm... Nem podia dar-se ao luxo de praticar, no CTIG, uma "política de terra queimada"...
Fotos alegadamente de vítimas de napalm são uma manipulação fotográfica, como a do fotógrafo húngaro Bara István (que analisaremos em próximo poste), que intencionalmente, por má fé, ou por ingorância, terá confundido, em 1969, numa "área libertada" do PAIGC, um caso de vitiligo (perda de pigmento, comum em pessoas de pele escura, deixando manchas brancas) com queimaduras (profundas) por napalm.
O uso do napalm durante a guerra colonial é um tema delicado e ainda hoje com contornos pouco claros. Foi, e tende ainda a ser, um arma de arremesso político (do PAIGC contra Portugal, ou entre nós, nos debates sobre a guerra colonial / guerra do ultramar). A arma, de qualquer modo, só passou a ser "proibida" a partir de 1980...
Confesso que, em 1969/71, quando estive no TO da Guiné, não vi devastações feitas por napalm, na bacia hidrográfica dos rios Geba e Corubal. Embora se falasse do uso de napalm nas ZLIFA (Zonas Livres de Intervenção da Força Aérea). Quando estive em Sare Gana, em agosto de1969, "ouvi" os Fiat G-91 bombardearem a "barraca" de Sinchã Jpbel... M´~ao me chegou ao nariz o cheiro de napalm pela manhã...
Não creuo que o general Spínola recorresse a essa arma de maneira sistemática... Poderia ter condenado o PAIGC e as populações sob o seu controlo à fome, queimando todos os campos de arroz (as "bolanhas"). O que não fez, era incompatível, de facto, com a sua política "Por uma Guiné Melhor". A verdade acima de tudo (**).
Eis, entretanto, o que se sabe (recorrendo a fontes na Net), neste caso o ChatGPT (considerado o melhor assistente de IA):
1. Portugal e o Napalm:
Portugal não produzia napalm;
as suas forças armadas dependiam de material fornecido sobretudo pelos EUA até ao início da guerra colonial (1961), e depois pela França, Alemanha Ocidental e África do Sul, através de canais indiretos;
o napalm era de fabrico norte-americano; foi usado em larga escala no Vietname, mas a sua exportação era controlada;
a FAP podia eventualmente recorrer oa fabrico de um sucedâneo de napalm (que, no fundo, é gasolina, ou um outro combustível altamente inflamavável, combinado com um espessante...).
2. Na Guiné-Bissau:
há testemunhos de militares portugueses (incluindo pilotos da FAP) e de dirigentes do PAIGC (com destaque para o seu líder, Amílcar Cabral) que referem o uso de bombas incendiárias (algumas descritas como “napalm” ou “bombas de fósforo”, facilmente confundíveis);
contudo, parece que o seu uso foi muito mais limitado do que no Vietname; pontual, não sistemático;
Em termos documentais:
o PAIGC denunciou repetidamente em fóruns internacionais (ONU, OUA) e na imprensa europeia o uso de "napalm" contra populações civis indefesas, nas "áreas libertadas";
em Portugal, há relatos dispersos em memórias de militares, mas poucos documentos oficiais, possivelmente porque se tratava de armamento sensível e politicamente embaraçoso;
alguns investigadores (como o João Paulo Borges Coelho, Carlos Matos Gomes, John Cain) admitem que possa ter havido emprego de napalm e/ou bombas incendiárias fornecidas por aliados ocidentais, mas sem prova de fornecimento regular de napalm.
3. Possível confusão:
muitas vezes, as tropas no terreno chamavam “napalm” a qualquer bomba incendiária (por exemplo, bombas de fósforo branco ou de gasolina gelatinizada artesanal);
o PAIGC, por sua vez, tinha todo o interesse em maximizar o impacto propagandístico, denunciando o uso de “napalm” à opinião pública internacional e associando, deste modo, Portugal às práticas mais condenadas da guerra do Vietname; e, com isso, conseguia maior ajuda humanitária dos "amigos suecos" e outros;
o tema estava, infelizmente, na moda: o horror dos bombardeamentos com napalm no Vietname entrava-nos pelas casas adentro através da televisão
4. Comparação com outros teatros:
em Angola e Moçambique, há também relatos de uso de fósforo branco e e bombas incendiárias, nomeadamente no início da guerra (em Angola, em 1961) mas não há indícios fortes de fornecimento sistemático de "napalm" (que ninguém sabia exatamente o que era);
a Guiné-Bissau, pela sua dimensão reduzida, pelas florestas-galeria e pela intensidade da guerra, seria o lugar mais provável para uso experimental ou ocasional de "napalm", em áreas de maior implantação do PAIGC (bacia hidrográfica do rio Corubal, Cantanhez, Oio, Boé...);
mas, nomeadamente durante o consulado de Spínola (meados de 1968 / meados de 1973), o uso de "napalm" seria contra-producente, contrário à política "Por uma Guiné Melhor".
Conclusão provisória:
Está documentado em testemunhos e denúncias, mas não há provas inequívocas de fornecimento regular de "napalm" a Portugal por parte dos EUA.
O mais provável é que o seu uso tenha sido ocasional e talvez até confundido com outras bombas incendiárias (fósforo, gasolina, termite).
Na versão oficial, Portugal nunca teria usado o napalm.
O uso de armas incendiárias contra populações civis passou a ser proibido pelo Protocolo III da Convenção sobre Certas Armas Convencionais de 1980.
O uso contra alvos militares é ainda, todavia, uma área controversa do direito internacional humanitário.
Entre as armas incendiárias as duas mais conhecidas são o napalm e o fósforo branco. Mas há outras: termite (ou termita), ligas de magnésio, líquidos inflamáveis espessados (diferentes do napalm).
Vamos perguntar aos nossos leitores se tiveram conhecimento do uso de algumas destas armas no CTIG, no seu tempo, antes, durante e depois do "consulado de Spínola"...
No meu tempo (maio de 1969/março der 1971), não me lembro de ver grandes extensões de terreno, vítimas de bombardeamento por napalm ou outras incendiárias. No Sector L1 (Leste 1, Bambadinca)...
Tenho ideia que as NT (a infantaria e a artilharia) dispunham de granadas incendiárias (inlcuindo fósforo branco)... Nuna usámos (a CCAÇ 12) "lança-chamas", nem sei se os haviua no CTIG no meu tempo... Mas os infantes não sabiam o que se passava na FAP nem tinham acesso â BA 12 (Bissalanca)... "Nunca vi" a nossa aviação largar bombas incendiárias... (o que também era difícil, porque os alvos IN não estavam propriamente em cima de nós ou ao alcance da nossa vista...)
Estava na moda falar-se do napalm, sobretudo por causa da guerra do Vietname. Mas Portugal, em princípio, não fabricava napalm nem podia importar grandes quantidades. Portanto, o seu uso, na Guiné, a ter ocorrido, foi pontual e datado. Ou não ?
Comecemos por saber a diferença entre o napalm e outras bombas incendiárias (de fósforo, etc.). E façamos um comparação entre eventual uso de napalm e outras bombas incendiárias, nas guerras de Argélia, Vietname e Guiné-Bissau, nos anos 60/70.
O assistente de IA (o ChatGPT) respondeu à pergunta, organizando a resposta em três partes: (i) diferenças técnicas, (ii) casos de uso, e (iii) perceção pública/política. Veremos, depois, noutros postes a abordagem do problema feita por outros assistentes de IA (Gemini, Perplexity, Deep Seek).
O napalm e outros incendiários nas guerras dos anos 60/70 (Vietname, Argélia, Guiné-Bissau)
1. Diferenças: napalm vs. fósforo branco e outras incendiárias
Napalm
é uma mistura de gasolina (ou querosene) com espessantes (sabões de ácidos nafténicos e palmíticos, daí o nome "napalm"),;
cria um gel combustível que adere a superfícies (corpos, vegetação, edifícios);
queima lentamente, a temperaturas de 800–1200 ºC;
o efeito é prolongado e praticamente impossível de apagar com água;
Usada sobretudo em bombardeamentos aéreos (bombas de napalm lançadas por caças-bombardeiros).
Fósforo branco
Substância química que inflama espontaneamente em contacto com o oxigénio.
Arde a temperaturas muito altas (até 1300 ºC).
Produz denso fumo branco (usado para criar cortinas de fumo e marcação de alvos).
Tem efeito incendiário e tóxico, com queimaduras químicas profundas.
Usado tanto em granadas, morteiros e projéteis de artilharia como em bombas aéreas.
Outros incendiários (ex.: termite (oiu termita), bombas incendiárias de magnésio)
Geram temperaturas elevadíssimas (até 2500 º C), sobretudo para destruir material e infraestruturas (ex., aviões, veículos, depósitos).
Não eram tão usados contra pessoas em combate irregular, mas sim contra alvos materiais.
Resumindo:
Napalm → arma sobretudo aérea, efeito prolongado, terror psicológico.
Fósforo → mais versátil (artilharia, granadas, bombas), com uso misto tático (fumo/iluminação) e ofensivo.
Outras armas incendiárias → destruição de material e infraestruturas.
2. Casos de uso em conflitos coloniais/guerras de guerrilha
Argélia (1954/62)
A França foi acusada de usar napalm em bombardeamentos contra posições da FLN - Frente de Libertação Nacional (criafa em 1954) sobretudo em zonas montanhosas da Cabilia e Aurès.
O governo francês inicialmente negou, depois admitiu "experiências limitadas".
Também se usou fósforo branco em apoio de artilharia.
O napalm tornou-se símbolo da violência colonial francesa, denunciado na ONU e pela imprensa internacional.
Vietname (1961/75)
É o caso mais conhecido e documentado.
Os EUA usaram napalm em larga escala em ataques a aldeias suspeitas de apoiar o Viet Cong e para limpar vegetação (juntamente com desfolhantes como o “Agent Orange”).
Uso extensivo de fósforo branco também, para marcar alvos e provocar incêndios.
A imagem da menina Kim Phúc, vítima de napalm (1972), tornou-se ícone mundial contra a guerra.
Guiné Portuguesa (1963/74)
A FAP (Força Aérea Portuguesa) não dispunha oficialmente de napalm em larga escala, ao contrário dos EUA; a industrial militar portuguesa estava em condições de fabricar um sucedánio do napalm.
Há testemunhos contraditórios: (i) Alguns veteranos e dirigentes do PAIGC (como Amílcar Cabral) denunciaram o uso de napalm pela aviação portuguesa, sobretudo em zonas de mato denso (Tite, Boé, sul da Guiné); (ii) Portugal admitia o uso de bombas incendiárias (fósforo e napalm improvisado em pequena escala, adaptado em depósitos lançados por T-6 ou Fiat G-91).
Mais consensual: o uso de fósforo branco em morteiros e granadas pela tropa portuguesa, como em outras frentes coloniais (Angola, Moçambique).
Mesmo que o uso de napalm tenha sido limitado, a acusação tinha forte peso político internacional, reforçando o isolamento de Lisboa.
3. Perceção política e psicológica
O napalm tornou-se um símbolo do terror aéreo, sobretudo porque: (i) era usado contra populações civis; (ii( causava queimaduras horríveis; (iii) era difícil negar ou esconder; (iv) por isso, teve maior repercussão mediática (Argélia, Vietname).
Fósforo branco, apesar de igualmente devastador, tinha a "cobertura" do uso legítimo como gerador de fumo ou sinalização, o que facilitava a defesa oficial dos governos.
Comparação em 3 teatros de operações (1950/70)
Nos casos da Argélia, Vietname, Guiné-Bissau), as denúncias internacionais visavam mostrar a brutalidade das potências coloniais ou imperialistas, e as armas incendiárias eram vistas como instrumentos de guerra desproporcionada contra povos em luta de guerrilha.
Aqui está um resumo comparativa das bombas incendiárias (napalm, fósforo, etc.) nos três teatros de guerra (Argélia, Vietname e Guiné-Bissau, anos 50/70).
(Por razões que não nos foram reveladas, o Blogger não nos autoriza a publicar este resumo. Presumimos que viole a sua política de contreúdos.)
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Madina do Cantanhez, perto da "barraca" (acampamento) Osvaldo Vieira (que eu visitei em 2 de março de 2008) > 10 de Dezembro de 2009 > 7h32 > A silhueta de um "dari" (chimpanzé) descendo uma árvore ...
Este grande símio (o mais aparentado, do ponto de vista genético, ao ser humano) é muito difícil de observar e fotografar... Contrariamente a outros primatas que existem no Parque, ainda com relativa abundância como o macaco fidalgo ("fatango", em crioulo). O Cantanhez ainda era, em 2009, uma das últimas florestas primárias do planeta. É imperioso que os guineenses e todos nós as saibamos proteger e salvar. O João Graça que esteve cinco dias como médico, voluntário, em Iemberém (a nossa antiga "Jemberém"), teve o privilégio de observar "in loco" um chimpanzé do Cantanhez (depois de se levantar muito cedo e caminhar um bom par de horas, com um guia). Outro habitat do "dari é o Boé (agora ameaçado com a prospeção e eventual exploração da bauxite, entregue a uma empresa chinesa).
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Farim do Cantanhez > 9 de Dezembro de 2009 > 17h06 > Resto de mangas de um ou mais "daris"...
"Grande diversidade da fauna e da flora com a existência de várias florestas húmidas onde se destacam sobretudo as essências raras e únicas, tais como: copaifera, salicaunda, 'pau' miseria, mampataz, 'pau' de veludo, tagarra, faroba de 'lala' e outras. Ainda alberga diferentes espécies de fauna (elefante, búfalo, baca branco, sim-sim, chimpanzé, macaco fidalgo, porco de mato), entre outros: é reconhecido por WCMC como um dos 9 sitios importantes do ponto do vista da bioiversidade. Cantanhez é igualmente uma das 200 eco-regiões mais importantes do mundo identificadas pela WWF."
Guiné > Região de Tombali > Península de Cubucaré / Cantanhez > Carta de Cacine (1960) (Escala 1/50 mil) > Durante 6 anos, de 1966 a finais de 1972, o Cantanhez foi um "santuário" do PAIGC. O único destacamento das NT era Cabedu (parte do setor S3, Catió) (e Cacine, na margem esquerda do Rio Cacine). Depois da Op Grande Empresa (dez 72 / jun 73), vão ser instalados aquartelamentos das NT em Jemberém, Cafine, Cafal, Cadique, e outros (que este excerto do mapa não mostra, como Caboxanque, Chugué e Combumba) (*)
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)
1. Antes da Op Grande Empresa (*), houve outras operações de envergadura, com tropas terrestres, marinha e força aérea... Mas a verdade é que o PAIGC encontrou na península de Cubucaré condições ideais para construir um dos seus santuários, no interior da Guiné...
Sabemos que a reivindiação de 2/3 de áreas libertadas foi sempre "show-off" do Amílcar Cabral para impressionar os seus financiadores externos e fornecedores de armas, bem como reforçar a "moral" da sua tropa, militantes e simpatizantes... Nunca correspondeu à verdade... Não havia recanto da Guiné onde a tropa portuguesa não pudesse chegar, com maior ou menor dificuldade...
Isso não nos impede de reconhecer, também por mor da verdade, que o Cantanhez , o Oio e o Boé foram três santuários do PAIGC: o primeiro , de 1966 a 1972, o segundo, durante toda a guerra, o terceiro. depois do abandono de Béli, Madina do Boé e Cheche, em 6 de fevereiro de 1969...
Mas a população que lá podia viver no Cantanhez era, afinal,relativamente escassa: no final da Op Grande Empresa, as NT conseguiram recuperar não mais do que 3,5 mil habitantes, sobretudo mulheres, velhos e crianças, que foram "reordenadas"...
No ReI Ac Psic n° 4/72 (citado, pela CECA, 2015, pág. 186), e no que diz respeioto à "População", escreve-se:
(...) "O aspeto mais significativo no período foi a recuperação de cerca de 3.500 elementos da população balanta em Caboxanque e Cadique que após a implantação das NT naqueles locais, franca e abertamente, se acolheram à nossa proteção, colaborando na construção dos aldeamentos locais imediatamente iniciados.
"Esta atitude, manifestada por uma população há anos sob controlo IN, para além de revelar um fraco índice de contaminação subversiva, confirma o quadro de desequilíbrio psicológico a nosso favor vindo há muito manifestar-se pela generalidade da população controlada pelo inimigo em consequência dum cansaço de guerra, pesadas exigências do Partido e precárias condições da vida no 'mato'. " (...)
Onde estavam, afinal, os trezentos e tal mil habitantes da Guiné, que o PAIGC controlaria nos tais 2/3 do "território libertado" ?
Na altura,em 1970, a Guiné tinha c. de 595 mil habitantes; na melhor das hipóteses, o PAIGC controlava, direta ou indiretamente, dentro e fora do território, 15% a 20% da população, incluindo a população refugiada dos dois países vizinhos, o Senegal e a Guiné-Conacri.
Recorde-se aqui os números apurados pelo jornalista do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em meados de 1972, aquando da sua visita à Guiné em missão de reportagem, a convite pessoal de Spinola:
(i) "Bissau afirma controlar 487 448 habitantes (foram os que se deixaram recensear em 1970)",
(ii) "mantendo-se outros 27 174 em 'zonas de duplo controle' ".
(iii) "no Senegal vivem 60 000 refugiados, e na Guiné (Conacri) 20 000, segundo informa o Comando-Chefe, apoiando-se em dados da Comissão de Refugiados da ONU";
(iv) "a ser assim, 89,5 por cento dos guinéus viveriam no interior do TO (teatro de operações) e 82 por cento do total estariam sob controle português."
(v) "numa população que em 1970 era de 594 622 habitantes";
(vi) "os dois mil combatentes que (...) actuam dentro das fronteiras, manobram a partir das 'zonas sob duplo controle' (...), situadas ao longo do corredor florestal e particularmente nas proximidades de Bissorã / Mansabá / Canjambari, confluência do Geba/Corubal, e sobretudo na zona ao sul do rio Buba, à volta de Catió".
(vii) "outra zona 'quente' situa-se perto do Cacheu, junto ao rio do mesmo nome, alastrando pelas florestas ao norte do Bachile e do Pelundo";
(viii) "calculam-.se em 7 000 os combatentes do PAIGC atuando a partir de 25 bases da fronteira senegalesa e de 8 da República da Guiné, incluindo aqueles que se encontram dentro do TO" (**)
2.Reveja-se, aqui, em síntese, o que foi, no sector Sul 3 (S3), a Op Safari, em 3 e 4 de janeiro de 1966:
(...) "Teve como finalidade, aniquilar e destruir os grupos inimigos e as suas instalações localizadas nas regiões do Cantanhez, entre os rios Ualche e Macobum, particularmente as de Calaque, Cafine e Cafal.
"Executaram a operação forças da CCaç 728, 763(-), 1423, 1424 e 1427(-), CPara, 4 DFE, 5° e 6° Pel / BAC (4 obuses), com apoio aéreo e apoio naval.
"As NT atacaram a 'Base Central', a sul do cruzamento de Cafal, tendo-a destruído.
Em Missida Jauiá foi assaltado um acampamento; o lN sofreu 1 morto e 1 prisioneiro, tendo-lhe sido apreendidas I metralhadora pesada e outra ligeira, 1 espingarda, 1 carabina e 1 pistola metralhadora, além de outras baixas não confirmadas. Foi apreendida documentação diversa. Foram destruídas grandes quantidades de arroz e de gado.
"As NT sofreram 4 mortos e 14 feridos."
Comentário à Op Safira (Fonte: Relatório de Comando do CTIG n'º 1/66, pp. 109-110):.
(...) "Ressalta no período, pela sua importância, quanto a efetivos empenhados, meios de apoio de fogos, apoio aéreo e naval, pela duração e pelo prazo e, especialmente, pelo valor atribuído ao lN na zona de ação escolhida, a operação 'Safari'.
O Cantanhez é uma área de densa arborização e difícil acesso às NT, onde o lN mantém uma liberdade de ação quase absoluta, sofrendo apenas esporádicas ações de flagelações da FA, Artilharia e de curtas incursões por elementos combatentes.
"A Op Safari teve o condão de levar a essa área importantes efectivos das NT, que percorreram distâncias apreciáveis, causando ao lN baixas e danos materiais que não estão, ainda hoje, avaliados. As NT permaneceram na zona de ação durante a noite de 4/5 de janeiro, período que era considerado crítico, sem que o lN tivesse comprometido a sua segurança.
"Desta operação colheram-se bons ensinamentos para futuras ações na mesma área e verificou-se a viabilidade de ali se levarem a efeito ações de desgaste do lN. "(...)
Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014), pp. 387/388 (Negritos nossos) (Com a devida vénia...).
3. Da leitura do livro da CECA, 6.º Volume (Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro II; 1.ª Edição; Lisboa, 2015), abrangendo o período de 1967 a 1970, vai-se percebendo que para o então Com-Chefe, gen Schulz, o Cantanhez é um osso duro de roer e não há condições para uma grande contra-ofensiva das NT... Vem o Spínola, em meados de 1968, e só quatro anos e meio depois (!), é que é possível planear e executar a Op Grande Empresa.
Temos de recuar no tempo, ao princípio da luta armada (ou início da subversão, como diziam as autoridades portuguesas) para perceber por que razão só muito tardiamente as NT conseguiram pôr algumas bandeirinhas no mapa do Cantanhez: Jemberém, Cafine,Cafal,Cadique, Caboxanque, Chugué e Cobumba...
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberém e Cabedu > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira (*) >
Neste vídeo (nº 1), um dos homens grandes da região conta como foram "os primórdios da luta"... Era de etnia nalu, a "dona do chão". Chamava-se Mussá Camará (e irá morrer uns meses mais tarde).
Entrou no mato, como ele diz, logo em 1962. Ou seja: passou à clandestinidade, depois de aderir ao PAIGC.
Estava convencido que a designação deste acampamento ("Osvaldo Vieira") não tinha nada a ver com a verdade fática, histórica, que seria apenas uma homenagem, póstuma, a um dos heróis (não de todo consensual...) do PAIGC, cujos restos mortais repousam na Amura, a antiga fortaleza colonial de Bissau transformada em panteão nacional.. Mas não, o Osvaldo Vieira atuou no Oio (Frente norte), mas também ao que parece no Cantanhez (Frente sul).
Abramos aqui um parênteses, para dizer que já em 2008 eu tinha dúvidas (eu e outros participantes portugueses no Simpósio) sobre o seu papel no complô contra Amílcar Cabral de que resultara o seu miserável assassinato em 20 de janeiro de 1973. Osvaldo Vieira e o executante do crime, o Inocência Cani, eram próximos e críticos do líder histórico e da tese da unidade Guiné-Cabo Verde. Mesmo assim foi dado o seu nome ao Aeroporto Internacional de Bissau. Também tinha relações de parentesco com 'Nino' Vieira. De qualquer modo, repousam lado a lado no panteão nacional, ele e o Cabral, o " pai da Pátria".
Mas voltando ao vídeo (nº 1): o antigo guerrilheiro fala num crioulo difícil. O Pepito vai traduzindo. Vê-se que nem sempre percebe o antigo guerrilheiro...
"Éramos só sete nessa altura. O comandante do grupo era o José Condição. Ficámos no mato de Caboxanque, aqui perto. Numa barraca, parecida com esta"...
E a narrativa continua: Até que chegou à região de Tombali o Capitão Curto. Esse Cap Curto ficou com a fama de mandar cortar cabeças. .. No filme-documentário "As Duas Faces da Guerra", de Flora Gomes e Diana Andringa, um dos entrevistados, antigo combatente do PAIGC, também evoca esse Cap Curto... A crer no depoimento do antigo guerrilheiro, o Cap Curto cortava as cabeça dos seus prisioneiros e, depois ia apresentá-las às mães das vítimas, nas suas tabancas... (o que nos parece macabro e fantasioso demais).
Enfim, não tive, no Cantanhez, oportunidade de confirmar esta história nem saber mais pormenores sobre eventuais métodos de trabalho sujo, resultantes da colaboração entre Exército, PIDE, polícia administrativa, etc., nos "anos de chumbo" que antecederam a guerra...
Também não achei apropriado o momento, que era de festa e de reconciliação, para falar deste e de doutros homens que, a ser verdade o que deles se contava, não podem ser tomados como representativos do exército português, e muito menos dos militares portugueses que fizeram a guerra, entre 1963 e 1974... Mas é importante ouvir as diferentes narrativas da guerra, que ajudam a compor o "puzzle" das histórias de um lado e do outro...
Na mesma altura apareceu o 'Nino' Vieira. O tal Cap Curto cercou Darsalame, entrou aos tiros na tabanca, mandou toda a gente pôr as mãos na cabeça… (Esta história já parece bater certo com outras que temos ouvido da atução do cap José Curto, cmdt da CCAÇ 153, e carrasco do comandante do PAIGC, Vitorino Costa, formada na academia chinesa de Nanquim.)
Das cinco da tarde às cinco da manhã, a aldeia esteve cercada e as pessoas foram interrogadas… O 'Nino' ficou muito preocupado e quis saber o que se passava. Reuniu os camaradas, entre eles o "Mão de Ferro", com a missão de ir a Darsalame saber o que se estava a passar e tentar ajudar o povo. Não deixou ir o José Condição. Foi também nessa altura que o grupo, que tinha aumentado, já não cabia em Caboxanque.
“Este mato é pequeno. Não vamos ficar aqui, disse eu… E foi então que fomos para o mato de Cantomboi” (um dos catorze atuais matos do Canhanez)…
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberém e Cabedu > Simpósio Internacional de Guiledje > Domingo, de manhã, 2 de março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira (*)
"Cabral fala sábi"...A memória de Cabral (que, dizem, conheceu bem a região de Tombali, como engenheiro agrónomo, antes de se ter tornado o fundador e o líder histórico do PAIGC) bem como as marcas da luta de guerrilha estão ainda bem vivas entre as mulheres e os homens do Cantanhez... Uma das mulheres, presentes nesta visita, canta uma das canções revolucionárias da época, dando vivas à Guiné e ao... Partido (vídeo nº 2).
Mas será que alguma vez elas o viram ao vivo a a cores por estas paragens durante a "guerra de libertação" ? Duvido.
Contrariamente ao ' Nino', o Cabral nunca foi um comandante no terreno, não era um "cabra-matcho" como os guineenses gostavam. Era um bom teórico, estratega, político, diplomata ( e poderia ter sido um grande estadista, ou não ?)... Mas nunca foi um com-chefe, um general, como o Spinola, próximo dos seus homens no mato, na guerra.
Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberém e Cabedu > Simpósio Internacional de Guileje > Domingo, de manhã, 2 de março de 2008 > Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, ao Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira (***)
"A unidade foi a melhor arma nos momentos difíceis dos camaradas" - pode ler-se num pequeno monumento, tosco, de cimento, encimado pela estrela negra, erguido na antiga barraca da guerrilha, o acampamento "Osvaldo Vieira" (agora reconstituído)...
Testemunho do passado, recado para o presente, pensa a Alice que, como muitos portugueses e portuguesas, não fazia a mínima ideia das reais condições do terreno (e do clima) onde se operava a guerrilha e a contra-guerrilha na Guiné.... São florestas-galeria onde mal entra o sol...
Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
O que pensarão estes miúdos ? Quais são os seus sonhos ? Para onde estão a olhar ? O que serão daqui a 15/20 anos ? O que sabem da luta pela independência, levada a cabo pelos seus avós ? Quem serão hoje os seus ídolos, os seus heróis ? E estas mulheres grandes ? Que recordações têm da luta armada ? E da dor, do sofrimento e da tragédia que foi toda aquela guerra estúpida e inútil ? Qual é a sua situação hoje, do ponto de vista social, económico e sanitário ? O que poderão ainda esperar do futuro ?
Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje> Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
Sabotagem ? Provocação ?... Não, é apenas uma camisola do craque do Manchester United e da Selecção Nacional de Futebol de Portugal, Cristiano Ronaldo, um "herói' do mundo global e mediatizado de hoje...
Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
À esquerda, o prof Luís Moita (1939-2023) e o Paulo Santiago seguem com atenção, desvelo e carinho, o inédito espectáculo de representação teatral que nos ofereceram, a todos, os antigos guerrilheiros e a população local do Cantanhez...
Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
Um dos antigos "combatentes da liberdade da pátria", um antigo comandante, explica, em crioulo (com tradução para português, feita pelo Pepito) como é que os guerrilheiros do PAIGC se apoiavam em (e articulavam com) a população local...
Com um brilhozinho nos olhos, fala das 3 fases da organização político-militar do PAIGG... (Á esquerda, sentados, e de máquina fotográfica em punho, o Paulo Santiago e o Silvério Lobo.)
Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
... Tem um papel, sabe ler... Insiste em afirmar, perante os convidados estrangeiros, que aqui nunca se lutou com o povo português, mas sim contra o colonialismo de Salazar e de Caetano de acordo com a retórica do Partido.
Fotos nº 7 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
Um verdadeira lição, ao vivo, de história, de antropologia, de ciência política, de arte da guerra, de gestão, de humor, de humanidade, de sobrevivência, de dignidade, de amizade, de esperança no futuro...
Fotos nº 8 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
Osvaldo Vieira, de origem cabo-verdiana, foi dos que morreu justamente na reta final, a um mês do fim das hostilidades... Os antigos guerrilheiros do Cantanhez também quiseram dar a esta 'barraca' (acampamento temporário) o seu nome...
Segundo me dirá o Manecas Santos outro lendário combatente do PAIGC, o homem dos Strela, o Osvaldo nunca terá andado muito pelo sul... Fico na dúvida se o nosso homem esteve realmente aqui, neste sítio... Mas, para o caso, também não interessa. Os seus antigos camaradas tentaram, de maneira didática, simples, autêntica, reconstruir as condições em que se vivia e lutava durante os difíceis tempos da luta de libertação... (E tiveram que limpar aquele mato!)
Não sei se alguma vez foi identificado, atacado e destruído pelas NT este acampamento... Sabe-se que, desde 1966 até finais de 1972 as NT não ousaram penetrar, a pé, no coração do Cantanhez, com o claro objetivo da sua reocupação. No final do consulado de Spínola, aí sim, vai haver uma grande contra-ofensiva contra este santuário do PAIGC, a Op Grande Empresa.
O Pepito garantiu-me, uns meses mais tarde, desfazendo as minhas dúvidas,, que "o Osvaldo foi um combatente que viveu naquela 'barraca' (acampamento) e fez dela ponto de partida para numerosas acções de guerrilha".
Além disso, "as estórias dele naquele local são mais do que muitas, algumas até divertidas: quando lhe dava a sede, mandava um dos seus guerrilheiros comprar vinho no Quartel de Cacine. Uma vez o mesmo saboreado e estalada a língua de satisfação, recostava-se e dizia: ' Um dia ainda vamos chorar a partida dos portugueses, nunca mais beberemos bom vinho' "… (Se calhar dizia "água de Lisboa", como os meus soldados, que não bebiam...)
Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
Um grupo de antigos guerrilheiros encenaram a sua atuação no tempo da guerra... Ei-los aqui vestidos de caqui e gorro, e empenhando imitações de madeira da famigerada Kalashnikov... Pertenciam ao Exército, já na 3ª fase da luta...
Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
Nalguns casos recorreu-se mesmo a restos de armas que ficaram por ali, como por exemplo o cano do temível LGFog RGP-7....
Foto nº 11 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
O grande terror dos guerrilheiros e da população do Cantanhez não eram os paraquedistas, ou o helicanhão, mas sim os Fiat, os aviões a jacto da Força Aérea Portuguesa... O aparecimento dos mísseis terra-ar Strela vieram dar outra confiança e ânimo aos homens do PAIGC...
Foto nº 12 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
O papel das mulheres na guerrilha foi aqui ilustrado, exemplificado, exaltado...
Foto nº 13 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
As mulheres do Cantanhez exemplificaram como cozinhavam no mato, sem fazer fumo, iludindo a observação aérea das NT... Os combatentes tinham apenas direito a uma refeição por dia... Ainda hoje será difícil comparar a sua à nossa fome... Nas unidades de quadrícula ou nas operações no mato, o tuga sonhava com comida e sobretudo com bebida... Muita, fresca.
Foto nº 14 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
Um grupo de mulheres, camufladas com folhas de arbustos, mostrando como se deviam agachar e esconder quando no céu se ouvia o baralho de aeronaves...
Foto nº 15 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
Atores, figurantes, assistência... Nos bastidores ou no palco.... As mulheres são parte fundamental da luta do povo da Guiné, ontem como hoje: pela paz, pela liberdade, pela democracia, pelo desenvolvimento, pelo direito à história....
Os tempos hoje são outros... As populações do Cantanhez, e nomeadamente as que apoiaram abertamente a luta de libertação (os nalus e os balantas), parecem assumir o seu passado, com orgulho, com dignidade, sem arrogância, sem ódio....
Claro que a narrativa é heróica... Em dia de festa, e para mais à frente de estrangeiros (e alguns antigos inimigos) não houve ocasião para se lembrar a violência que também se abateu do lado dos " libertadores", sobre a população mais vulneráveis, as crianças, as bajudas, os adolescentes, as mulheres, os idosos...que tinham de alimentar a guerrilha, garantir grande parte da logística, cultivar as bolanhas, sofrer as prepotências dos comandantes e comissários políticos, etc.
Foto nº 16 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
Uma guerra de libertação (ou subversiva, como diziam as nossas chefias militares...) não se faz sem as mulheres, como a antiga enfermeira do PAIGC, Francisca Quessangue, que participou na batalha de Guileje....
Francisca, uma mulher doce e tranquila... E no entanto tinha todas as razões para ter ódio no seu coração: o pai foi morto, com três tiros, friamente, por tropas africanas, por se recusar a denunciar os camaradas da guerrilha do PAIGC... Uma tia dela que estava grávida e que assistiu, aterrorizada, a esta cena, escondida por detrás de uma árvore, teve um aborto espontâneo.
O pai da Francisca era papel, da região de Bissau. Viveu no mato, onde ela cresceu. Tinha responsabilidades políticas, não era combatente. A Francisca estudou enfermagem na ex-União Soviética. Estava num hospital de retaguarda, na fronteira, aquando do ataque a Guileje. Hoje é enfermeira no Hospital Regional do Gabu.
Foi uma das oradoras do Simpósio. Fez uma comunicação sobre os aspectos sanitário-logísticos do PAIGC no assalto ao quartel de Guileje, no dia 6 de março. (...)
Foto nº 17 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
Um antigo comandante da guerrilha conduziu-nos, a mim, ao cor art ref Nuno Rubim, o "capitão-fula", e a esposa, ao longo de uma das linhas de fuga que partiam do centro do acampamento, em plena floresta do Cantanhez, até ao tarrafo... Fortemente apoiados pelos nalus e pelos balantas, o PAIGC movia-se como peixe dentro de água nesta floresta-galeria, um emaralhado de lianas e vegetação perene, com árvores de alto porte, centenárias, uma amostra ainda riquíssima do que resta das florestas primárias do planeta...
Foto nº 18 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
Paisagem de tarrafo...na maré vazia.
Foto nº 19 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
De acordo com as coordenadas do GPS do N caor art ref Nuno Rubim (1938-2023), tiradas no centro da clareira onde decorreu a cerimónia, este sítio fica a 11º 12' 46" N - 15º 03' 10" W, ou seja, à esquerda da picada que vai de Iemberém (antiga Jemberém) para Cadique (a oeste) e Cabedu (a sudoeste), nas proximidades de Madina do Cantanhez, entre Iemberém e Cachamba Sosso (vd. infografia, ao alto do poste)...
Uma das linhas de fuga do acampamento, que ficava numa pequena elevação, ia dar diretamente ao Rio Bomane, afluente do Rio Chaquebante, este por sua vez afluente do Rio Cacine, desaguando justamente frente a Cacine, perto de Cananime (onde iríamos almoçar nesse domingo).
Foto nº 20 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
À entrada para o acampamento Osvaldo Vieira, junto a poucos quilómetros de Imberém, a sul... Na foto, a Alice Carneiro com o antigo guerrilheiro Dauda Cassamá, sob o olhar do catalão Josep Sánchez Cervelló, professor universitário em Tarragona, especialista em história sobre o 25 de Abril e a descolonização portuguesa...
Foto nº 21 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
Um grupo de jovens, rapazes e raparigas, que cantaram o Hino da Guiné-Bissau no início da cerimónia ... O que será feito deles, hoje (2024) ?
Foto nº 22 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez > Acampamento ("Barraca") Osvaldo Vieira > Simpósio Internacional de Guileje > Visita guiada > 2 de março de 2008 (...)
O Pepito, nosso anfitrião (infelizmente iria desaparecer 4 anos depois, deixando órfão a sua ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, e fazendo falta a este povo e que ele tanto adorava) , aqui servindo de tradutor (do crioulo para o português)... Foi o génio organizativo e a alma deste Simpósio Internacional, que juntou os "inimigos de ontem" (faltaram apenas os cabo-verdianos, que ainda tinham um ódio de estimação ao 'Nino' Vieira e vice-versa)...
Concentraram-se, neste antigo acampamento do exército do PAIGC, naquela manhã de domingo, dia 2 de março, algumas centenas de pessoas, entre comitiva (participantes do Simpósio Internacional de Guileje, nacionais e estrangeiros) e população local...